Entrevista Do Fundo a Educação Não Pode Esperar Secretário-geral Das Nações Unidas, António Guterres
ECW: Por que motivos a educação é uma prioridade nas emergências e crises prolongadas?
António Guterres: A pandemia de COVID-19 devastou as sociedades e criou a maior desestabilização de sempre nos sistemas educativos, afetando mais de 1,5 mil milhões de estudantes. Embora tenham sido aplicadas soluções de ensino à distância, uma em cada três crianças não teve acesso a essas oportunidades, o que expôs e agravou desigualdades e vulnerabilidades, em especial para aqueles que se encontram em situação de crise. Em tais circunstâncias, a educação protege as raparigas e os rapazes da violência e da exploração sexuais, do tráfico, da gravidez precoce e do casamento infantil, do recrutamento forçado para grupos armados e do trabalho infantil. Também assegura que continuem a aprender, oferecendo-lhes esperança para o futuro. Ao entrarmos em 2021, a educação tem de estar no cerne da resposta à pandemia e dos esforços de recuperação. Sem um compromisso político resoluto dos dirigentes mundiais, bem como recursos adicionais para o fundo “A educação não pode esperar” e os seus parceiros da ONU e da sociedade civil, milhões de raparigas e rapazes poderão nunca voltar à escola. O investimento na educação dessas crianças e jovens vulneráveis é um investimento na paz, na prosperidade e na resiliência das gerações vindouras, bem como uma prioridade para as Nações Unidas.
ECW: Por que motivos é importante facilitar uma maior colaboração entre os atores humanitários e os do desenvolvimento em contextos de crise?
António Guterres: Com a intensificação dos conflitos, as catástrofes relacionadas com as alterações climáticas, os deslocamentos forçados a atingirem níveis sem precedentes e as crises a prolongarem-se mais do que nunca, as necessidades humanitárias continuam a crescer a um ritmo que supera a resposta, apesar da generosidade dos doadores de ajuda. As parcerias são cruciais para transformar o sistema de ajuda, acabar com as compartimentações e assegurar que a ajuda seja mais eficiente e economicamente racional. Os programas para a educação integral da criança oferecem um caminho comprovado para as partes interessadas colaborarem no sentido de habilitar as crianças e os jovens vulneráveis para o acesso a uma educação de qualidade em ambientes de aprendizagem seguros, com vista a que concretizem o seu pleno potencial.
ECW: Que mensagem gostaria de partilhar com as raparigas e os rapazes afetados pela crise, cujo direito à educação ainda está por realizar?
António Guterres: Acima de tudo, presto-lhes homenagem pela sua resiliência e comprometo-me a trabalhar com os governos, a sociedade civil e todos os parceiros a fim de superar a pandemia e a crise, que têm constituído reveses tão profundos nas suas vidas. Temos também de intensificar os nossos esforços para reimaginar a educação, formando professores, colmatando o fosso digital e repensando os currículos, no sentido de dotar os educandos de competências e conhecimentos para prosperarem no nosso mundo em rápida mudança.
ECW: Enquanto estudante do ensino secundário em Portugal, ganhou o “Prémio Nacional dos Liceus” como melhor estudante do país. Depois de concluir os estudos universitários em engenharia, iniciou uma carreira como professor. Pode dizer-nos o que significa a educação para si?
António Guterres: Muito antes de exercer funções nas Nações Unidas ou ocupar cargos públicos, fui professor. Nos bairros degradados de Lisboa, vi que a educação é um motor para a erradicação da pobreza e uma força para a paz. Hoje em dia, a educação está na essência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Precisamos de educação para reduzir as desigualdades, alcançar a igualdade de género, proteger o nosso planeta, combater o discurso de ódio e fomentar a cidadania global. A defesa da nossa promessa de não deixar ninguém para trás começa pela educação.
ECW: Após a turbulência de 2020, qual é a sua mensagem para o mundo ao entrarmos em 2021?
António Guterres: 2020 trouxe-nos tragédia e perigo. 2021 tem de ser o ano para mudar de velocidade e pôr o mundo no caminho certo. A pandemia fez-nos chegar a um momento crucial. Podemos deixar para trás um annus horribilis para fazer de 2021 um “annus possibilitatis”: um ano de possibilidade e esperança. Temos de o fazer acontecer, em conjunto.